As amigas viúvas
- brunaasorensen
- 31 de out. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 1 de mai.
Era uma quarta-feira de manhã comum, quase dia dos finados... A semana ia bem e eu fui comprar uns potes para guardar comida congelada.
Quando cheguei na loja cheia de coisas para casa, encontrei um corredor com flores de plástico e duas senhoras muito simples l, que conversavam sobre a vida.
Elas falavam animadas por se reencontrarem de maneira despretenciosa naquele lugar. Mas lamentavam as circunstâncias.
Era uma amizade comum, dessas que a gente fica muito tempo longe, sente falta da pessoa, mas por alguma razão, não vai ao encontro de quem a gente gosta.
Ali naquele corredor, elas atualizavam as tristezas da vida uma para outra, quase num tom de confissão.
O marido de uma tinha falecido. O da outra, também.
Elas contavam que sentiram saudades uma da outra. Que a vida passou, elas não tinham mais se visto e não puderem se acolher diante das perdas.
Esperançosa, uma perguntou a outra se ela já havia conseguido superar a perda. Ingnua, a amiga respondeu que não tinha escolha... e que dois meses após a morte do marido, ela havia tido um AVC.
Não consegui prestar atenção no que eu tinha ido fazer ali. Sem querer, me senti uma testemunha daquele encontro... que me fez pensar sobre a vida, ali mesmo.
Ao chegar no caixa, uma das senhorinhas se atravessou na minha frente. Logo percebi que era uma das amigas viúvas. Ela alcançou para moça um porta retrato simples, com uma fotografia que não era nada simples: uma nota de falecimento do seu marido...
Enquanto abria sua pequena sacolinha cor de rosa e tirava de dentro uma nota de 50 reais, percebeu que tinha furado a fila. Olhou para mim, sorriu e me perguntou: roubei o seu lugar?
Me segurei pra não chorar, pois tudo o que eu conseguia pensar era: não roubou nada... você me deu de presente essa linda cena do cotidiano.
Enquanto isso, a atendente guardava na caixinha e em uma sacola plástica, aquele porta-retratos cheio de amor.
Sai da loja chorando de emoção ao ver, no cotidiano, uma cena de amor tão linda, contida no miolo da dor da perda e da partida. Me emocionei com as formas de continuar amando. De sentir a perda... a falta... a companhia...
e fiquei pensando como é difícil lidar com o que a gente sente, quando não se anestesia para atravessar a vida.



Comentários